sábado, 20 de agosto de 2011

Saudação do Acadêmico José Lamartine Filho ao Ilustre Dr. Daniel Munduruku

HOMENAGEM DA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DE GRAVATÁ AO DOUTOR DANIEL MUNDURUKU, ATRAVÉS DA PALAVRA DO ACADÊMICO LAMARTINE DE ANDRADE LIMA

Ilustríssimos
Senhores Presidente da ALAS e componentes da mesa,
Senhoras e senhores Acadêmicos,
Senhoras e senhores convidados,
Senhor Doutor Daniel Munduruku,

Hoje, dia 18 de agosto de 2011, esta Academia tem a rara oportunidade de recepcionar, homenagear e ouvir um líder de um povo das culturas autóctones mais antigas das Américas.
O intelectual Daniel Munduruku é diplomado em Filosofia, História e Psicologia e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Diretor-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, escritor de difusão internacional premiado e Comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República do Brasil.
Senhor Comendador,
Faz trezentos anos este lugar onde moramos, no alto de uma serra e atravessado por um rio, foi habitado por uma das tribos de índios da Zona da Mata e do Agreste, os Coropotó, também denominados Coroado, que não falavam a língua geral tupi e sim o ramo puri, e o chamavam de Crauatá, terra de plantas espinhosas. Nos dias que correm não existem mais aqueles indígenas nem conhecemos os seus descendentes. É uma amostra do que aconteceu com grande número de aborígines, isto é, aqueles que vêm desde a origem de nosso País. Os que resistiram e sobreviveram são heróis étnicos.
Minhas senhoras e meus senhores,
No mundo de hoje são falados mais de dois mil idiomas e seus dialetos. No Brasil, entre as 250 nações indígenas, todas ágrafas, são utilizadas 180 línguas. Na família lingüística macro tupi, está uma delas, tonal e melódica, que é preservada pela etnia Mundurucu (palavra que quer dizer “formigão”) e ensinada através do método bilíngüe nas unidades vinculadas ao setor de educação escolar indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação.
Dentre os 35 grupos de índios brasileiros que tiveram transpostas as suas pronúncias para a escrita, os Mundurucu foram o 14º a receber, através do Conselho de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas, uma versão do Novo Testamento, no ano de 1980.
Eles constituem uma tribo de índios de estatura elevada e compleição forte, hoje com cerca de doze mil pessoas, que ocupam trinta aldeias em um largo território de quase dois milhões e 400 mil hectares, nos pontos sudeste da fronteira do estado do Amazonas e sudoeste da fronteira do Pará e norte do Mato Grosso. Estão numa rica área potamográfica, abaixo da margem direita do Rio das Amazonas, entre os seus afluentes Rio Madeira e Rio Tapajós, alcançando até o Rio Juruena.
São conhecidos desde o século XVII e registrados pelo homem branco desde o século XIX, quando foram contatados pela primeira vez, ainda na época do Brasil Colônia, em 1820, e houve maior aproximação depois de meio século, durante o segundo Reinado, no ano de 1875. Essa nação indígena, sob a égide da Fundação Nacional do Índio, do Ministério da Justiça, tem hoje cortando o seu território duas estradas federais – as BR-163 e BR-230 –, a vigilância de guarnições do Exército Brasileiro e a atividade de missões religiosas, porém os próprios índios continuam a sua importante ação preservacionista da Natureza, resistindo ao garimpo predatório e a pesca ilegal e danosa e mais a inundação de 35 % das suas terras pelas barragens do Complexo de Usinas do Tapajós.
Sua origem civilizatória longínqua está, há mil anos, na Cordilheira dos Andes, de onde lhes veio a influência, diluída pelo tempo, da mais velha das culturas da América do Sul, hoje extinta, que precedeu as também desaparecidas civilizações superiores dos Astecas, dos Maias e dos Incas, a cultura denominada Chavin de Huantar, aparecida nas margens dos subafluentes do Rio Marañon, que mais abaixo recebe o nome de Amazonas.
Permitam que, pelo que se chama de tendência profissional de um velho cientista forense, a guisa de exotismo, cite que, no passado, os Mundurucu foram terríveis guerreiros, com o rosto pintado de preto e no corpo tatuadas linhas pretas e vermelhas – produzidas pela cicatrização de incisões superficiais sobre as quais gotejavam seiva de jenipapo e tucum.
Guerreavam ferozmente, matavam seus inimigos, retiravam-lhes a cabeça e – através de um processo de esvaziamento endocraniano, arrancamento dos dentes e, com incisões profundas, retirada dos ossos cranianos, mais aplicação de areia quente e defumação especial nas partes moles – reduziam-nas a 30% do seu volume, exceto os cabelos que conservavam no tamanho original.
Isto lhes valeu a denominação de “caras pretas” e “caçadores de cabeças”, que compartilhavam com os índios jivaros, das selvas montanhosas do Equador e do Peru, de quem o Imperador Dom Pedro II teve algumas peças em sua coleção de curiosidades.
Atualmente a manifestação artística mais conhecida dos Mundurucu é caracterizada, principalmente, pela escultura de pequenas figuras de animais, como tartarugas, em sementes de tucum, com as quais fiam colares e pulseiras.
Hoje, embora eles, em sua maioria, continuem caçadores, pescadores, agricultores de mandioca, coletores de sementes e frutos como o da castanha-do-pará e extratores de látex da seringueira, que negociam, mantendo relações comerciais com regatões e compradores de produtos regionais; alguns trabalham como operários mineradores, e outros buscam a educação intercultural.
Estes alcançam realizar estudos acadêmicos, inclusive existe, na Universidade Federal do Amazonas, um curso específico de licenciatura em preservação das tradições e do idioma Mundurucu, para formação de educadores daquele povo, e na Universidade do Mato Grosso do Sul, um curso Normal Superior oferecido aos aborígines.
Todavia, também investem na formação cultural em diversas outras áreas de nível superior, como é o caso de nosso ilustre visitante, que é conferencista, articulista e escritor de 33 livros.
Em nosso País, além do Doutor Daniel Munduruku, existem mais notáveis intelectuais indígenas, como Marcos Terena, Airton Krenak, Daniel Derpó, Darlene Taukane, Eliane Potiguara e Kaká Werá, entre outros, que são respeitáveis pelo seu trabalho de defesa dos direitos indígenas, cultivo da tradição e dos mitos tribais, e transmissão dos conhecimentos de seu povo, que conduzem a sabedoria dos ancestrais.
Feita esta apresentação geral, prezado visitante, estamos aqui para conhecê-lo e ouvi-lo. Seja muito bem vindo.
E complemento em língua Mundurucu: “Xibat? Cum wuiju!” (Tudo bem? Vamos juntos!).
A palavra é sua.

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